Não bastasse o deficiente sistema público de saúde, a população tem que enfrentar os constantes abusos praticados pela rede privada.
É público e notório o fato de que são recordistas em número de reclamações nos órgão de defesa do consumidor e de que são fiscalizados pela ANS (agência nacional de saúde), mas esta fiscalização não basta para coibir os constantes abusos que vão, desde negativa de adesão dos mais idosos e necessitados à recusa na realização de procedimentos de urgência, fazendo dos consumidores meras marionetes em prol do lucro desenfreado.
No entanto, esquecem que prestam serviços destinados a manter a vida e a saúde e, portanto, o maior patrimônio do ser humano, constitucional e universalmente reconhecido.
Ocorre que não basta reclamar desta realidade fática. É preciso acima de tudo combatê-la e denunciá-la, com uma efetiva fiscalização da população e forte mobilização do sistema judiciário, como já ocorre em outros países.
Isso porque apenas as pesadas indenizações, que se façam suportar por aqueles que tem por objetivo único a obtenção de lucro, podem criar uma “consciência” nas empresas que atuam nesta área.
Também os médicos devem auferir a justa remuneração, a fim de não verem vilipendiados seus vencimentos e de poderem prestar um serviço de qualidade com consultas minuciosas e completas, solicitando todos os exames que julgarem necessários, sem correr o risco de um descredenciamento.
Bem, o intuito desta publicação é mobilizar a todos a lutar por seus direitos, denunciar descumprimentos contratuais, rever seus contratos e respectivas mensalidades, muitas vezes abusivas e que punem principalmente os mais idosos, justamente por demandarem mais das operadoras dos planos de saúde, o que para elas deve representar um verdadeiro absurdo!
Ora, como essas pessoas, que ao longo de uma vida inteira contribuíram para os planos, vêm agora utilizá-los com tanta frequência e a custos tão elevados?
E o que falar dos reajustes ilegais, das negativas de manutenção do sistema de Home Care, quando a pessoa, completamente incapacitada, recebe alta hospitalar ou da suspensão da fisioterapia, entre outros procedimentos, aos que ainda não alcançaram a reabilitação ou necessitam de cuidados permanentes, como os acamados?
Ainda com relação aos reajustes, os aumentos abusivos vem sendo rechaçados pelos Doutos Juízes e Egrégios Tribunais, especialmente quando superiores aos percentuais ditados pela Agência Nacional de Saúde.
É bem verdade que os planos coletivos não estão automaticamente adstritos à aplicação destes percentuais, mas também é certo que não podem livremente aplicar quaisquer reajustes que ferem a razoabilidade e a proporcionalidade, o que vem gerando diversas revisões, inclusive retroativas, com a devolução de valores pagos a maior para restabelecer o equilíbrio contratual entre as partes envolvidas.
Com efeito, são tantas as práticas ilegais que nem caberiam num só artigo, mas para exemplificar essa realidade seguem transcritos alguns julgados sobre o tema:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
Agravo de Instrumento nº 2135367-74.2014.8.26.00
Relator: Desembargador Cesar Ciampolini
VOTO Nº 8.241
Agravo de instrumento. Plano de saúde.
Reajustes de mensalidade por mudança de faixa etária dos beneficiários e por aumento de sinistralidade. Incidência do Código de Defesa do Consumidor. Súmulas 469 do STJ e 10 desta Corte. Abusividade manifesta. Art. 51, IV e X, do CDC.
Aplicabilidade do percentual máximo de aumento estabelecido pela ANS.
Precedentes do STJ e desta Corte. Decisão reformada, para suspender o reajuste praticado pela seguradora, com aumento máximo limitado ao percentual permitido pela ANS para o período. Agravo provido.
Além disso, a legislação a ser aplicável nestes casos está sumulada no Tribunal de Justiça de São Paulo, a saber:
Súmula 10/TJSP: “O contrato de plano/seguro saúde submete-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor e da Lei n. 9.656/98 ainda que a avença tenha sido celebrada antes da vigência desses diplomas legais.”
Seguem ainda os principais trechos e julgamentos citados no mencionado acórdão, e dignos de destaque:
“ Desse modo, o reajuste da mensalidade do plano de saúde, seja por mudança de faixa etária, seja por aumento da sinistralidade acima do limite máximo estabelecido pela ANS para o período e, pior, sem qualquer informação ao consumidor sobre o critério adotado , viola o princípio da boa-fé objetiva. Coloca o consumidor em situação de desvantagem exagerada, causando excessivo desequilíbrio na relação contratual, obstaculizando a permanência do beneficiário no convênio médico e pondo em risco o próprio objeto da avença. “
Inclusive com relação aos contratos coletivos:
“PLANO DE SAÚDE Contrato Coletivo Reajuste com base na sinistralidade Relação de consumo configurada Inteligência da Súmula 469 do STJ Disposição contratual que coloca o consumidor em desvantagem exagerada ao permitr que o fornecedor varie o preço de maneira unilateral Violação ao art. 51, incisos IV e X do Código de Defesa do Consumidor.
Abusividade reconhecida Devolução dos valores cobrados a maior determinada Recurso não provido.” (Ap. 10608-24.2013.8.26.010, MOREIRA VIEGAS; grifei).
Com um exemplo claro de aplicação dos reajustes fixados pela Agência Nacional de Saúde, também a esses planos coletivos:
“CONTRATO Plano de saúde coletivo Reajuste anual Aplicação do percentual máximo de reajuste permitido pela ANS tal como nos planos individuais e familiares Cláusula de reajuste por sinistralidade abusiva Onerosidade excessiva constatada Cláusula potestativa Inteligência do art. 51, X, do CDCTRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo.
Agravo de Instrumento nº 2135367-74.2014.8.26.00 – São Paulo – VOTO Nº 8.241 M – 9/9
E outro de reconhecimento da indevida transferência do risco da atividade ao consumidor e parte hipossuficiente da relação contratual:
Violação do dever de boa-fé objetiva Cláusula que desloca o risco da atividade da operadora de plano de saúde para o segurado.
Ação procedente Ratificação dos fundamentos da sentença (art. 252, do RITJSP/209) Recurso desprovido.” (Ap. 9159561-92.209.8.26.00, LUIZ ANTONIO DE GODOY; grifei).
Assim, concluo este artigo convocando a todos a efetivamente buscarem seus direitos e de familiares que se encontrem em relações contratuais abusivas e ilegais, a fim de que não se submetam às arbitrariedades, desistam de seus planos ou migrem para outros em razão dos reajustes aplicados.
Também não aceitem que no momento de maior dor e sofrimento, quando da internação ou da vivência de uma doença grave, seus entes queridos tenham seus direitos negligenciados ou negados.
A Justiça existe para todos e essa é sua maior função: proporcionar o direito à vida, à saúde e à dignidade do ser humano.
por Luciana Franqueira Rocha é sócia do escritório Franqueira Milani, Sociedade de Advogados